25 de julho, meio dia, trem de Shanghai a Pequim. Ainda que tivéssemos a passagem de avião comprada, resolvemos ir de trem.
Dois grandes motivos. O primeiro, a experiência, usar o serviço de transporte e, mais do que isso, percorrer quase 1.500km em trem rápido olhando os contrastes de um país em transformação. Tentei comprar o trem no Brasil, mas não há como comprar a passagem online não sendo chinês.
O segundo motivo é a recomendação dos próprios chineses para NÃO USAR o sistema aéreo deles. Atrasa demais, não dá para confiar, sobretudo em vias de termos uma tempestade violenta, como por esses dias.
Shanghai foi a nossa porta de entrada para a Ásia. Em 5 dias seria muita falta de pretensão dizer que “conheço a China”. Mas, algumas ideias já dá para ter.
Uma já formada é que, sob qualquer ponto de vista, administrar algo com a complexidade da China beira o impossível. Pelo tamanho de tudo, pela história, pelo nível e valores da população.
Olhando um pouco para a história, a China é uma das civilizações mais antigas do mundo e passou quase toda a sua existência em algum tipo de guerra, interna ou externa. Uma rápida leitura sobre as dinastias que governaram a China – ou partes dela – é sangue que não acaba mais. Violência, brutalidade, insanidade, conquistadores cruéis, povos bárbaros por todos os lados, expedições imensas pela vastidão de um país do tamanho e complexidade de um planeta.
Qin Shi Huang, o primeiro imperador (ano 221 DC), foi um dos líderes mais cruéis e tiranos da história humana. Foi ele que começou obras que massacravam hordas de 300 mil homens. Era o aperitivo do que estava por vir. A China mudou de mãos várias vezes ao longo dos séculos, geralmente sem sutileza. Genghis Khan tomou Pequim em 1215 e destruiu tudo, deixando seu neto (Kublai Khan) como o imperador da China. Quase 400 anos depois, a China foi dominada pelos Manchus, um povo guerreiro e nômade que destruiu mais um monte de coisas. E por ai foi, mudando de mãos, de tiranos e de feridas. A China entrou no século XX com a esperança de uma república unificadora, mas não teve forças.
Administrar o povo chinês, construir uma união em torno de qualquer coisa envolvendo tanta gente – e gente tão diferente - também não deve ser fácil. Uma andada da Cidade Velha até a Bund, coisa de 1500 metros, ensina muito sobre a China. Entre dois pontos turísticos, você passa pelo meio de algo muito representativo do que deve ser o inferno. Pessoas vivendo como bichos, comendo coisas inimagináveis, com roupas secando na calçada, patos presos em gaiolas e andando na calçada, crianças cagadas sem fralda, todos os tipos de veículo redefinindo mão e contramão, pessoas e animais atravessando a rua sem olhar para nada, demonstrando total desapego à vida em sociedade. E o mais surpreendente é que parecem felizes.
Um quarteirão depois desse turumbamba, você chega à Bund, uma avenida com uma beleza e imponência que não encontra semelhança em nenhuma das Américas. A Europa precisa escalar o seu melhor time (Paris, Berna, Berlim, Veneza) para fazer frente à beleza e imponência da Bund.
A Bund é a avenida que margeia o rio Huangpu. Do lado de lá está Pudong, o distrito financeiro mais absurdo, fantástico, futurista, moderno que já vi. Wall Street, Frankfurt, Chicago, São Paulo e outros que já visitei precisam se ajoelhar à grandeza de Pudong. Detalhe: na década de 90 não havia nada ali. Resolveram fazer, fizeram.
Essa é a cara do que vimos até agora – contraste. Fala-se que a China está perto de 1.400.000.000 de habitantes. Tenho a impressão que uns 200 milhões sabem o que está acontecendo, estão inseridos na sociedade, no consumo. O resto, a imensa maioria, um quinto da população da Terra, está apenas lá, vivendo.
Fica fácil, de fora, falar das mazelas do Partido, da política, da censura, mas uma leitura (rasa, superficial) da história e uma sentida inicial mostram que não tem muito jeito não, e os resultados têm sido incríveis.
Esse é um texto para ser relido quando estivermos saindo da China, mas são as reflexões do momento. Em resumo – é preciso respeitar as conquistas dos governantes recentes tendo em vista a tarefa insana de gerir esse colosso de complexidades!
A cara do contraste. O paleolítico ao lado do novo e incrível centro financeiro de Pudong.
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